Lutar sempre e desistir jamais é uma das frases que podem ser aplicadas a vida de uma pessoa que enfrenta as dificuldades de maneira duplicada. Se para maioria não é fácil ter que lidar com os problemas que aparecem, imagine como é viver sob outra perspectiva onde as dificuldades se tornam ainda maiores pelo simples fato de não poder andar como todos os outros.
| A satisfação em usar a tecnologia de todas as formas |
Sua mãe (Antônia) fazia sapatos e seu pai (Benedito) foi ascensorista por quase 30 anos. Também trabalhou como faxineiro e como representante comercial. Oficialmente, era o representante da Adega Casteluche. Com apenas cinco meses ele [Carlos] foi diagnosticado com Poliomelite (doença causada por um vírus que causa paralisia e pode chegar a matar). "Os médicos disseram pra minha mãe que se eu sobrevisse, viveria para o resto da minha vida como um vegetal. Ela disse que mesmo assim queria que eu vivesse. Hoje eu não vegeto e não ando, mas faço praticamente tudo o que os outros fazem. E falo bastante!", comenta.
| Um Homem à frente do seu tempo cria mural com nomes dos colaboradores |
Com nove meses já não precisava mais usar fraldas (obrigatório por causa da paralisia dos membros inferiores), só precisava da cadeira de rodas para se locomover. "Os médicos confirmaram pra minha mãe que o diagnóstico tinha sido errado, já que eu não dependia tanto das pessoas". Aos cinco anos de idade, ele foi recomendado para a Associação de Assistência a Criança com Deficiência (AACD) da Vila Mariana. Mesmo que morasse em São Miguel e levasse muito tempo para chegar ao local, por dois anos sua mãe o levou até a AACD.
Os médicos viram que o esforço era muito devido a localidade e sugeriu que ele ficasse morando naquela unidade. E assim aconteceu. Dos 7 aos 14 anos, Carlos morou na AACD da Vila Mariana e recebia mensalmente a visita dos pais. "No começo foi difícil. Eu tinha apenas 7 anos e já fui morar longe dos pais. Mas hoje eu entendo. Enquanto vivesse perto, eu me tornaria muito dependente deles. Morando longe eu aprendi a lidar com as minhas limitações e a criar independência e me tornei mais apto para viver na sociedade de forma livre".
Na AACD, junto com mais 12 meninos, eles aprontaram muito. "Tinha um garoto com uma paralisia ainda maior que a minha. Ele não gostava disso e também não gostava de se relacionar com ninguém. Mas soubemos que ele teve raiva de um garoto e o colocou de cara no formigueiro. Demos o troco. Fomos até ele, tiramos sua cueca e o colocamos de bunda no formigueiro. Dissemos que se ele contasse, faríamos coisa pior", comenta e começa a rir ao se lembrar desta e de outras travessuras. Quando saiu da AACD por atingir a idade limite, sentiu a diferença de morar em São Miguel em relação a Vila Mariana.
"Aqui as ruas não eram asfaltadas". Mesmo com essa dificuldade de adaptação, ele começou a se relacionar com algumas pessoas e formou grandes amizades. "Tinhamos um grupo de pessoas do bem. Não entrava drogas e nem bebidas. O máximo que acontecia era beber uma com limão para ficar doidão. Mas isso era um lema e nem sempre usávamos. Quem chamava a gente de babaca hoje está embaixo da terra, preso ou perdido na vida", explica.
Quando completou 18 anos decidiu cursar arquitetura por correspondência, através do Instituto Universal Brasileiro. Foi nesse período em que começou a ter contato com política e a se interessar mais pela esquerda e suas idéias socialistas. O pensamento foi se transformando e desistiu de arquitetura para se interessar por teatro. Fez dois anos do curso com o dramaturgo Augusto Boal. Por mais um ano estudou no Clube Escola Curuçá até que assumir o posto de diretor, ficando no cargo por 12 anos.
| Reconhecimentos de todas as partes fazem parte de seu orgulho |
"Sempre fui predestinado a comandar, até mesmo quando não queria a responsabilidade vinha até mim. Eu não me via, e não me vejo, como um deficiente. Acho que a deficiencia está na cabeça das pessoas", diz. Aos 32 anos decidiu sair do teatro, algo que lhe dava prazer, para trabalhar como analista de crédito por ser uma profissão que rendia dinheiro.
Pouco depois, ele conheceu uma pessoa com quem se casou e viveu por 5 anos. Ela já tinha filhos e, justamente por problemas familiares, decidiu se separar e retomar sua vida em outro lugar. "Minha vida se resumia a uma caixa de fogão: coloquei minhas coisas em uma caixa deste tamanho e fui me encontrar com Dan (apelido dado ao seu amigo Mário) na Sé e contei tudo a ele. Fomos até o terminal rodoviário Tietê e lá comprei uma passagem para Brasília. No caminho ouvi Faroeste Caboclo, do Legião Urbana, e imaginei que minha vida pudesse ser comparada com a de João de Santo Cristo a partir daquele momento". Quando chegou, decidiu visitar o seu tio em Goías. "Ele estava muito contente pois não recebia nenhum parente lá". Carlos decidiu ficar ali por um ano. Deu aulas particulares de inglês, português e outras matérias e vinha sempre a São Paulo a cada 3 meses para visitar os pais e os irmãos.
Em uma dessas voltas, decidiu ficar para cuidar dos pais, já que sua mãe apresentava um quadro de depressão e seu pai estava com câncer. "Eu era um dos filhos mais queridos pela minha mãe, talvez pela deficiência. Meu pai já tinha câncer antes, mas estava se agravando". Pouco depois seu pai faleceu e após foi sua mãe. Quando voltou a São Paulo, ele começou a trabalhar no projeto Arquimedes da Secretaria de Cultura e foi atuar na escola Madre Paulina e depois na Associação Amigos do Itaim Paulista. Em seguida começou a ser voluntário no telecentro Curuçá. Com o seu trabalho conseguiu transformar a visão que as pessoas tinham por achar que os deficientes não se desenvolviam tão bem. No telecentro ele foi convidado a ser professor de informática no CEU Curuçá (telecentro) e a desenvolver um projeto de inclusão digital para os deficientes e o público da 3ª idade, formando assim o PIDPEI.
Um outro dado importante é que Carlos Macedo foi o primeiro e único deficiente a trabalhar no recreio nas férias na gestão da ex-prefeita Marta Suplicy. Logo depois, ele se filiou a Fraternidade Cristã de Deficientes (FCD) e em uma festa entre as unidades de Itaquera e de Carrão ele conheceu Sandra Regina de Brito. "Na época eu tinha 42 anos e ela 32. Nem imaginávamos que fossemos casar, mas no final daquela festa já estávamos namorando e seis meses depois tinhamos nos casado". Desse relacionamento nasceu Monique, que hoje está com 10 anos e com muita saúde. "Minha filha sempre traz os amigos para as festas que realizamos na PIDPEI e os seus pais, que já nos conhece, sempre vem junto. É bom para mostrar para as crianças que diferenças existem", explica.
Neste ano ele completa 13 anos de casado, 9 anos de PIDPEI e com muitas realizações pela frente. "Conseguimos o apoio da podóloga Cláudia para a Associação, estamos aguardando mesas para conseguirmos dar aulas de informática aqui também, além de outros projetos que estão caminhando. Neste ano também será a 4ª participação do PIDPEI na Feira Internacional de Tecnologias em Reabilitação, Inclusão e Acessibilidade (REATECH). Mas ainda não me sinto totalmente realizado. Quero que a PIDPEI caminhe sem precisar da minha ajuda e quero que minha filha consiga o mesmo também, só assim eu poderei falar que sou um homem realizado", finaliza.
Mais informações sobre a PIDPEI pode ser obtida no site http://www.pidpei.org.br/ ou pelos telefones (11) 2862-2101 e 6738-3642
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